sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A estratégia ou a miopia de Paulo Júlio

Hoje trago aqui, na integra, o texto publicado no Jornal As Beiras, em 13/02/2011 e assinado pelo actual Secretário de Estado da Administração Local e Reforma Administrativa, na altura Presidente da Câmara Municipal de Penela.
Vejam como é simples, para alguns, mudar de opinião dependendo do lado em que se encontram:
 
Paulo Júlio

Presidente da Câmara Municipal de Penela

Faz sentido reflectirmos sobre o modelo de desenvolvimento de território que queremos em Portugal. Desde há 40 ou 50 anos, aldeias e vilas foram ficando mais vazias, os campos agrícolas abandonados, as florestas mal cuidadas e mais vulneráveis ao flagelo dos incêndios florestais, tudo porque verdadeiramente, ali, nessas partes de Portugal, não havia oportunidades nem as condições mínimas de dignidade para existir futuro.

 Algumas décadas passaram e, sobretudo após Abril de 1974, com a autonomia do poder local, com a vontade e empenho dos que ainda por lá resistiram ficar, construiu-se um Portugal novo, é certo, com alguns erros, mas com escolas, equipamentos culturais e desportivos, requalificações urbanas que permitiram devolver a dignidade e criar alguma coesão territorial, afinal, porque somos todos portugueses.

Apesar disso, as florestas continuam mal cuidadas, os campos ainda à espera de serem novamente desafiados a produzir, as aldeias envelhecidas e as vilas mais bonitas à procura do seu novo futuro.

Faltam pessoas, na grande parte destes concelhos de Portugal. Como faltam pessoas, faltam dinâmicas sociais, o que invariavelmente provoca falta de oportunidades de emprego, que por sua vez obriga a que os jovens procurem outros destinos mais desafiantes e, fecha-se assim, este ciclo vicioso.

Num tempo de elevada competitividade, ao qual se junta a nossa crise económica e financeira, e muito desvario governativo, com parcos recursos, a força dos indicadores ganha expressão e tende a submeter as estratégias de desenvolvimento a um plano secundário. Surgem assim, os indicadores per capita e, mais uma vez, aquelas partes de Portugal, que apesar de estreito, tem ironicamente um enorme Interior, tendem a sair ainda mais prejudicadas.

Uns dizem que o melhor é cortar umas freguesias, como se estes territórios fossem comparáveis ao concelho de Lisboa. Outros pensam que a solução para o desperdício será cortar o número de municípios. Claro, os mais pequenos, aqueles que têm menos gente, como se não soubessem que é precisamente aí que os municípios têm um papel essencial no desenvolvimento e na coesão – na grande parte destas Terras, se não fossem os municípios, não haveria um Euro de investimento público.

E nesta escalada de demagogia e de desconhecimento de como é este Portugal fora dos grandes centros urbanos, ouvimos os mesmos de sempre, em estado aparente de esquizofrenia, ao mesmo tempo a dizer que temos de valorizar a floresta, a agricultura e o património, a apelar à diminuição de municípios em nome do superior interesse do défice.

Para que conste, a dívida total de todos os municípios em Portugal é menor do que a dívida da REFER, da CP e do Metro de Lisboa! Por outro lado, os municípios contribuíram, ao contrário do Governo, para a consolidação orçamental em 2009 e 2010, fazendo com 10% das receitas do Estado, cerca de 50% do investimento público.

É evidente que faz sentido discutir e redefinir as competências de escala municipal, eventualmente acabar com muitas empresas municipais porque, algumas delas, não servem para quase nada e gerir de forma mais eficiente os recursos, porventura, adequando melhor os desejos à realidade, tornando sustentável a gestão financeira.

É claro que os municípios terão que assumir uma nova agenda, e reforçar o seu papel em áreas como a educação, o empreendedorismo e a inovação, entre outras.

Mas tão importante, é saber qual é futuro que queremos para o território e o modo como o pretendemos desenvolver, sabendo que um dos principais temas mundiais, são as alterações climáticas e que 70% das suas causas têm origem no transporte de bens e pessoas para as grandes cidades ou que os custos da solidariedade social e a degradação da vida humana ganham escala nas grandes metrópoles.

Quando se fala do Interior, é isto que deve ser reflectido. As redes de fibra óptica são, reconhecidamente, um importante passo para o desenvolvimento, mas de nada servirão se o ciclo vicioso não se quebrar e, para isso, é preciso termos uma estratégia para a floresta, para a agricultura, para o desenvolvimento económico e atracção de empresas e, sobretudo, perceber que a gestão territorial de qualquer município do Interior, com centenas de quilómetros quadrados e dezenas de aldeias ainda ocupadas por portugueses, é bem mais complexa do que a freguesia do Lumiar, ainda que esta, possua mais habitantes.

É disso que falo. O grande debate público que deveria ser lançado, sem preconceitos, por um Governo responsável deveria ser: Qual é a estratégia de desenvolvimento e de coesão para o Interior de Portugal?

Normalmente quem começa a casa pelo telhado, tem fracos resultados e, mais uma vez, quem perde é Portugal!

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